sábado, 9 de junho de 2007
Primeiros Sonhos
Luzes apagadas do meu quarto era tudo neblina e fumaça, luzes acesas era tudo nevoeiro. Os meus olhos irritados coravam veias em papéis, em afeição de reproduzir a dor sentida desde tão cedo. Meu coração desatinado a perguntar-me “aonde´stais amor tão perfeito?”.
Foi o sangue no piso-quarto quem me acordou cedinho. Eram marcas de polegadas passadas: marcas de cortes no pé, marcas em coleções pelo piso – pois foram elas sempre a sinalizar algo do mesmo: “´stou aqui, como podes não me ver?”. A procurar-te: “onde estais qu´eu não te vejo?”. A soluçar-te: “imagem do meu vidro oposta, não me ouves?”. Pois continua: “deves estar num hemisfério encolhido ao meu, desastrosa a sombra que te esconde”.
E eu te imaginava distante da abatida luz do meu quarto, fugisse eu mais uma vez. Eu engolido entre lençóis e travesseiros e tu que dormia distante dos olhos.
Outro dia pois foi momento de acordar embriagado e apontar a qualquer direção, à vista: “é duas, é três, é quatro,... és tu, és tu, és tu!”. Não era, quão triste.
Apaguei-me em existencialismos. “devem haver sim momentos quarktops!”, pois eram de não vir. Virei estrelhinha longe ao céu da d´alva. “é ou não é Vênus”, transei.
Também não foi mau, não foi é sequer méson: a quão dizer qual momento em vida seria os dos quarktops.
Céus todos nublados em chamas e eu agachadinho entre os sopés do quarto: apagadinho, apagadinho. Fora a vez de, com os olhos fechados, caírem pesadamente os tons castanhos e junto a eles todas minhas esperanças de olhinhos verdes, verdes.
Verdes não seriam sem sonhos traçados à papel vazio. – Pois não existiam folhas para se traçar o vazio. Pois se foi, e eu ali quietinho, amuadinho num quase não viver.
A realidade a nos tornar assim sempre que esquecemos a vontade de sonhar. Olhos quietos-parados, e eu e a parede. Parado quando fora um balão colorido à bi-cores a me incomodar.
- Sai fora! Meu amor não me quer mais! – eu disse assim
- Oh! – e o balão disse ´oh´- Quem foi que te disse nojentisse tão sem graça?
- Foi eu mesmo, a gente acostuma dizer esse tipo de coisas quando se sente só.
- Oh – pois o balão resolveu repetir o ´oh´- Não te insultes assim, eu estou aqui, não vês?
Fora o momento de abrir os olhos, mãos aos joelhos encolhidos, todas elas se dispersaram para tomar-me o susto. Era mesmo balão colorido, balão tecido de esperanças e cores; e era embaixo onde havia uma câmarazinha, a caber pézinhos dois além dos meus, que eu me encaminharia.
Era de junco envernizado e bem seguro, e não tinha bocas ou ouvidos, porque balões não possuem bocas ou ouvidos, eles escutam com as parte moles. Balão bonito.
- Por que estais aqui? Não vês o quanto estou triste e necessito ficar só?
- Foi isso mesmo que me trouxe aqui. Há um alguém perto mas longe daqui esperando por ti e toda vez que tu choras ela chora por ti.
- E ela é bonita? – disse inspirado.
- Oh! – movendo-se impacientemente – Bonito é aquilo que toca os olhos e não a vaidade dos outros. Vem comigo e rápido!
- Mas como posso? A petulância da fumaça insiste em marcar meus olhos! E tu, sabes para onde fica a janela por onde entraste? Não me parece fácil pilotar por este fumaceiro.
- Suba cá em meu bagageiro, segure as minhas cordas e tateie as paredes: a janela há de surgir!
E foi como subi de bagagem no balãozinho, meu corpo só um pouco largo e de altura rebaixada me fez acomodar bem. Achada a janela, quase caí, o vento nos empurrou para fora e zuuum, o vento zunia à borda dos ouvidos, já estávamos ali fora no céu limpo.
escrito em agosto de 2003
do Coisas de Sonho
sexta-feira, 8 de junho de 2007
o riso e a raiz
Aquele dia de quem lhe roeu a face, naquele dia em que eu lhe roí a face. Para frente, para trás e sempre pára no meio. Menor, maior, mas sempre um símbolo de igual ou diferente. A dimensão dos povos e sempre a maioria: para sempre a igualdade que avança macaqueando a impressão do que nós éramos antes.
Tudo que eu poderia ser foi absorvido pelo impacto deste momento, pelo impacto de um ponto comprimido numa longínqua reta. Eu sou este território onde me finco, sou seco e abstraído. É como quem não diz nada para frente: permanece sempre igual em um diálogo desabitado.
É quando eu percebo pela primeira vez que este território que me povoa é robusto e árido: faz de mim a mínima flexão que é a vírgula, reinscreve o que era antes multiplicidade em forma de Pena. Faz dos meus substantivos compostos corpos conjugados por sujeitos simples.
Eu preciso do ar e respiro-me pela falta de espaço. Eu aspiro o vento e arejo meus pulmões com meu sopro tardio. Naquela dimensão perdida que se apelidou de subjetividade, e do que vinha a ser “isto”, e do que eu não fui questionado se era.
Já tinha esquecido do desejo de partir, quando sou eu quem recolhe minha própria raiz e avanço com minha boca sobre o rosto.
Eu quero tentar esquecer o que foram por mim. Rost, rost, rost, rostitude: a imagem de quem me enfrenta enquanto tento novamente elucidar o que eu era no rosto de quem ataquei.
Quando eu tinha dentes que me roíam o pulsar das carnes não era acostumado a roer o rosto dos outros: foi então que me entregaram ossos para substituir os dentes, chamávamo-los de ferramentas.
O que era amizade e companheirismo na verdade eram propósitos. No escuro foi o tempo de afirmar que era eu mesmo quem roia os pulsos, tinha conhecimento disto ao investigar-me profundamente. Era no tempo em que meus dentes não tinham se acostumado a serem o dos outros.
Foi naquela vez que o rosto me ofereceu gengivas que percebi: há muito não tinha dentes que me servissem. E toda minha inflexão foi um modo de mirar aquele rosto que já não era tão dócil.
Tudo naquele quarto escuro, em toda fração que ali se encontrava, tudo ali era intenso, denso e habitado. Se eu fui acostumado a lidar com rostos plastificados, ali, naquele quarto escuro, era tempo suficiente que a sugestão me atacasse.
E eu já rosnava como bicho quando aquele rosto confiou-me ser pura luminosidade e imanência. Era a vez que eu lhe cobrisse a face com coisas vivas feito os dentes.
Ainda me desafiou rogando por culpas, enquanto eu lhe rasgava a carne. Já nem sentia o gosto de sangue entre os dentes quando roí a minha própria mão ao imaginar que a minha mão fazia parte daquele rosto.
Demorou até partir pela porta, até ser parido por aquela porta. O tempo se expandiu parecendo que eu teria de roer novamente e novamente as mesmas raízes. A porta estava aberta para mim e eu avancei.
Mesmo depois de atacá-la, a face ainda é-me um rosto, mesmo que se constituísse por fragmentos embaralhados. A temperatura dos olhos, o gosto do tato, a cacofonia do nariz, a dimensão do ouvido e o perfume de uma língua se abanando. Todos, tudo, ainda avançam em meu tronco como memória, nestes dias em que meus galhos balançam feito guizos no escuro.
Foi só depois que abandonei a sua figura de controle que percebi que dentro de mim não mais habitava a gargalhada. Avançava para um novo território, mas o que é um riso tímido se não posso gargalhar?
Perdi os dois, e ainda o chôro que não vem em socorro, fiz por merecer, por tê-los apelidado de desengonçados. Levaram-me os três em troca de nostalgia e aqui anuncio, para quem quiser ouvir, que não há maior nostalgia do que o futuro.
Ofegava solto desejando-me rir na vastidão. Só buscando o riso que percebi que não era eu quem roia as raízes. Bem mais profundo é ser o próprio machucar que não deseja mais ser habitado.
Quando eu me cortava, os pulsos diziam-me pare com isso e eu ouvia e revirava os olhos. E o que eu ganhei em troco disso? pernas bambas e um joelho fraco.
Lembro-me que enquanto me feria profundamente com os dentes, um pensamento me escapava: melhor assim do que ferir a maior dimensão que é a própria pele.
Era melhor entupir-me as veias fazendo zumbir os sentidos. Por vezes, acordava tonto. Roer-me os pulsos, depois de um corte sempre tão extenso, foi o mesmo que sufocar-me no meio da fumaça. Enquanto uma fumaça vinha habitar a profundidade do corte eu via solto, até que esqueci de mim.
Eu era riso até pouco tempo, posso ainda sentir-lhe na face quando toco meu rosto sem máscaras de conveniência. A profundidade deste meu rosto há muito tempo engoliu a gargalhada à seco, quase já não a lembro que tive gargalhada.
Desejo-me sonhar para encontrar o riso, assim também devo encontrar, pela primeira vez, um chôro melancólico. No meu sonho a vida ia ser potente num infinito descampado, se expandindo para frente, mas também para trás e numa sem extensão.
O rosto que ataquei e roí não era o meu, o ventre que me pariu foi este quarto sombrio e tenebroso. Nasci novamente. Sinto sede da fome, quero o vomitar deste último verme que guardei dentro de mim, saboroso e nutrido como eu sempre o nutri me servirá como o desjejum da partida. Eu quero o gosto da carne e de todas as suas vicissitudes, se parto com este delírio que me deixem ir.
Tudo que eu poderia ser foi absorvido pelo impacto deste momento, pelo impacto de um ponto comprimido numa longínqua reta. Eu sou este território onde me finco, sou seco e abstraído. É como quem não diz nada para frente: permanece sempre igual em um diálogo desabitado.
É quando eu percebo pela primeira vez que este território que me povoa é robusto e árido: faz de mim a mínima flexão que é a vírgula, reinscreve o que era antes multiplicidade em forma de Pena. Faz dos meus substantivos compostos corpos conjugados por sujeitos simples.
Eu preciso do ar e respiro-me pela falta de espaço. Eu aspiro o vento e arejo meus pulmões com meu sopro tardio. Naquela dimensão perdida que se apelidou de subjetividade, e do que vinha a ser “isto”, e do que eu não fui questionado se era.
Já tinha esquecido do desejo de partir, quando sou eu quem recolhe minha própria raiz e avanço com minha boca sobre o rosto.
Eu quero tentar esquecer o que foram por mim. Rost, rost, rost, rostitude: a imagem de quem me enfrenta enquanto tento novamente elucidar o que eu era no rosto de quem ataquei.
Quando eu tinha dentes que me roíam o pulsar das carnes não era acostumado a roer o rosto dos outros: foi então que me entregaram ossos para substituir os dentes, chamávamo-los de ferramentas.
O que era amizade e companheirismo na verdade eram propósitos. No escuro foi o tempo de afirmar que era eu mesmo quem roia os pulsos, tinha conhecimento disto ao investigar-me profundamente. Era no tempo em que meus dentes não tinham se acostumado a serem o dos outros.
Foi naquela vez que o rosto me ofereceu gengivas que percebi: há muito não tinha dentes que me servissem. E toda minha inflexão foi um modo de mirar aquele rosto que já não era tão dócil.
Tudo naquele quarto escuro, em toda fração que ali se encontrava, tudo ali era intenso, denso e habitado. Se eu fui acostumado a lidar com rostos plastificados, ali, naquele quarto escuro, era tempo suficiente que a sugestão me atacasse.
E eu já rosnava como bicho quando aquele rosto confiou-me ser pura luminosidade e imanência. Era a vez que eu lhe cobrisse a face com coisas vivas feito os dentes.
Ainda me desafiou rogando por culpas, enquanto eu lhe rasgava a carne. Já nem sentia o gosto de sangue entre os dentes quando roí a minha própria mão ao imaginar que a minha mão fazia parte daquele rosto.
Demorou até partir pela porta, até ser parido por aquela porta. O tempo se expandiu parecendo que eu teria de roer novamente e novamente as mesmas raízes. A porta estava aberta para mim e eu avancei.
Mesmo depois de atacá-la, a face ainda é-me um rosto, mesmo que se constituísse por fragmentos embaralhados. A temperatura dos olhos, o gosto do tato, a cacofonia do nariz, a dimensão do ouvido e o perfume de uma língua se abanando. Todos, tudo, ainda avançam em meu tronco como memória, nestes dias em que meus galhos balançam feito guizos no escuro.
Foi só depois que abandonei a sua figura de controle que percebi que dentro de mim não mais habitava a gargalhada. Avançava para um novo território, mas o que é um riso tímido se não posso gargalhar?
Perdi os dois, e ainda o chôro que não vem em socorro, fiz por merecer, por tê-los apelidado de desengonçados. Levaram-me os três em troca de nostalgia e aqui anuncio, para quem quiser ouvir, que não há maior nostalgia do que o futuro.
Ofegava solto desejando-me rir na vastidão. Só buscando o riso que percebi que não era eu quem roia as raízes. Bem mais profundo é ser o próprio machucar que não deseja mais ser habitado.
Quando eu me cortava, os pulsos diziam-me pare com isso e eu ouvia e revirava os olhos. E o que eu ganhei em troco disso? pernas bambas e um joelho fraco.
Lembro-me que enquanto me feria profundamente com os dentes, um pensamento me escapava: melhor assim do que ferir a maior dimensão que é a própria pele.
Era melhor entupir-me as veias fazendo zumbir os sentidos. Por vezes, acordava tonto. Roer-me os pulsos, depois de um corte sempre tão extenso, foi o mesmo que sufocar-me no meio da fumaça. Enquanto uma fumaça vinha habitar a profundidade do corte eu via solto, até que esqueci de mim.
Eu era riso até pouco tempo, posso ainda sentir-lhe na face quando toco meu rosto sem máscaras de conveniência. A profundidade deste meu rosto há muito tempo engoliu a gargalhada à seco, quase já não a lembro que tive gargalhada.
Desejo-me sonhar para encontrar o riso, assim também devo encontrar, pela primeira vez, um chôro melancólico. No meu sonho a vida ia ser potente num infinito descampado, se expandindo para frente, mas também para trás e numa sem extensão.
O rosto que ataquei e roí não era o meu, o ventre que me pariu foi este quarto sombrio e tenebroso. Nasci novamente. Sinto sede da fome, quero o vomitar deste último verme que guardei dentro de mim, saboroso e nutrido como eu sempre o nutri me servirá como o desjejum da partida. Eu quero o gosto da carne e de todas as suas vicissitudes, se parto com este delírio que me deixem ir.
quarta-feira, 6 de junho de 2007
Meu lado debaixo da língua
- Machuquei o lado debaixo de minha língua.
Faz tanto tempo que escrevo, que digo que escrevo, que já não considero o que escrevo, já não há tanto segredo dito isto tudo. Há tantos outros que escrevem, que dizem que escrevem, que não consideram o que escrevem e não fazem este tipo de perguntas. A síndrome é antiga, mas ao que parece, somente na passada adolescência dei-me conta que eu fui uma criança escrevendo para os outros.
Como na quarta-série. Não sei o que há nas crianças, ou mesmo na criança que guarda estas lembranças dentro de mim, mas chego ao ponto de afirmar nesta frase mais longa que as crianças lembram de séries como quem lembram dos anos. A única frase constante que uma criança emite é eu faço tal série. É bem claro que muda de série, mas a criança muda de tamanho, cresce para os lados querendo estabelecer um elo entre ela e as pessoas que ofertam proteção, presentes, sentido. Cresce para cima também, mas na minha baixeza insisti em desejar o dia em que deitaria no banco traseiro do carro e meu corpo ocuparia todo o comprimento, um ato sem prestígio.
Primeiro vieram as cartas, notadamente as de amor para quem quiser gozar como eu. Franzino, o gordo albino que eu era se apaixonou pela mesma menina que tantos outros meninos se apaixonavam ao mesmo tempo, na mesma série. A diferença, para mim, é que eu tinha as cartas, eu entregava poesias que iam me abandonar e que nunca mais iriam me olhar depois da primeira olhadela.
Ela tinha sotaque do Sul. Era morena, tinha castanhos-olhos muito vivos, era magra como não poderia deixar de ser e não tinha nenhum sinal de sensualidade. Ela sentia medo e insegurança ao entrar num colégio desconhecido com numerosos sem-rostos?! Talvez, no início daquela série quando estava pela primeira vez ali no meio da sala. Uma menina do Sul que muda na quarta-série, simultaneamente, de colégio e de Estado sempre guarda um pouco disso para os outros. Depois ficou popular e namorá-la ganhou um som com ares de prestígio.
Foi para ela quem dediquei as primeiras linhas que nunca voltaram. Punha em sua bolsa os papéis-dobrados durante o recreio para dizer o que ela queria escutar e poder lhe assinar: anônimo. Depois acompanhava ela tirar o papel-dobrado e desviava o rosto tentando acompanhar, quase que por frames, os momentos que ela e suas amigas riam e se animavam com seus bilhetinhos, anunciatórios de amor.
O que eu escrevia eu não sei e é óbvio que nunca aconteceu nada entre nós dois. Se eu dissesse que algo tinha acontecido entre nós, o meu leitor não atingiria o clímax que acabei de planejar. Eu sei que também ele é um escritor que escreve, que diz que escreve, que não considera o que escreve, este é o epílogo mais fidedigno de nós: leitores-escritores-privados.
Para quem você-escreve, para quem você-lê? Talvez hoje você descubra pela primeira vez que não escreve para si mesmo e nem para os outros e descubra que é preciso partir por um outro porto. Vou lhe poupar de minhas palavras nesta outra parte.
- Tenho fungos nas mãos, minhas digitais estão azuis por toda parte.
Faz tanto tempo que escrevo, que digo que escrevo, que já não considero o que escrevo, já não há tanto segredo dito isto tudo. Há tantos outros que escrevem, que dizem que escrevem, que não consideram o que escrevem e não fazem este tipo de perguntas. A síndrome é antiga, mas ao que parece, somente na passada adolescência dei-me conta que eu fui uma criança escrevendo para os outros.
Como na quarta-série. Não sei o que há nas crianças, ou mesmo na criança que guarda estas lembranças dentro de mim, mas chego ao ponto de afirmar nesta frase mais longa que as crianças lembram de séries como quem lembram dos anos. A única frase constante que uma criança emite é eu faço tal série. É bem claro que muda de série, mas a criança muda de tamanho, cresce para os lados querendo estabelecer um elo entre ela e as pessoas que ofertam proteção, presentes, sentido. Cresce para cima também, mas na minha baixeza insisti em desejar o dia em que deitaria no banco traseiro do carro e meu corpo ocuparia todo o comprimento, um ato sem prestígio.
Primeiro vieram as cartas, notadamente as de amor para quem quiser gozar como eu. Franzino, o gordo albino que eu era se apaixonou pela mesma menina que tantos outros meninos se apaixonavam ao mesmo tempo, na mesma série. A diferença, para mim, é que eu tinha as cartas, eu entregava poesias que iam me abandonar e que nunca mais iriam me olhar depois da primeira olhadela.
Ela tinha sotaque do Sul. Era morena, tinha castanhos-olhos muito vivos, era magra como não poderia deixar de ser e não tinha nenhum sinal de sensualidade. Ela sentia medo e insegurança ao entrar num colégio desconhecido com numerosos sem-rostos?! Talvez, no início daquela série quando estava pela primeira vez ali no meio da sala. Uma menina do Sul que muda na quarta-série, simultaneamente, de colégio e de Estado sempre guarda um pouco disso para os outros. Depois ficou popular e namorá-la ganhou um som com ares de prestígio.
Foi para ela quem dediquei as primeiras linhas que nunca voltaram. Punha em sua bolsa os papéis-dobrados durante o recreio para dizer o que ela queria escutar e poder lhe assinar: anônimo. Depois acompanhava ela tirar o papel-dobrado e desviava o rosto tentando acompanhar, quase que por frames, os momentos que ela e suas amigas riam e se animavam com seus bilhetinhos, anunciatórios de amor.
O que eu escrevia eu não sei e é óbvio que nunca aconteceu nada entre nós dois. Se eu dissesse que algo tinha acontecido entre nós, o meu leitor não atingiria o clímax que acabei de planejar. Eu sei que também ele é um escritor que escreve, que diz que escreve, que não considera o que escreve, este é o epílogo mais fidedigno de nós: leitores-escritores-privados.
Para quem você-escreve, para quem você-lê? Talvez hoje você descubra pela primeira vez que não escreve para si mesmo e nem para os outros e descubra que é preciso partir por um outro porto. Vou lhe poupar de minhas palavras nesta outra parte.
- Tenho fungos nas mãos, minhas digitais estão azuis por toda parte.
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