quinta-feira, 2 de abril de 2009

(Holiday Inn) Segurança



Qualquer calçada é vazia e escura à noite. Varia apenas quando alguns condomínios decidem por um sensor de movimento que ilumina o trajeto assim que um transeunte, feito eu agora, decide irromper o silêncio com passos e movimento. A luz é segurança, a escuridão incerteza permeada de medo. No vai e vem de empregados e empresários, os únicos ruídos conhecidos são os dos carros que tornam o trajeto um pouco mais familiar; embora sempre receoso de qualquer atropelamento.


A calçada de frente para qualquer prédio próximo ao meu é construído por pequenas pedras que medem no máximo uma ou duas polegadas de largura e uma de altura. As guaritas altas são apenas acessíveis por botões ou vozes que sinalizam a chegada de alguém. Ouvem-se estalos quando um dos dois portões abre. O primeiro é segurança para quem vem, o segundo segurança para quem está.


Quando se quer, enfim, ficar mais próximo ao local onde dezenas de pessoas comuns moram, cidadãos confiáveis que pagam taxas ao administrador do condomínio para poder definir quem desejam entrar, é preciso ser identificado ou identificável. Até eu mesmo fico desconfiado que este é mesmo o meu prédio, que posso entrar. Os porteiros são espécies de colegas que reconhecem nossas vozes quando sinalizamos um assobio ou soltamos grito de uma onomatopéia. Raramente chamamo-los pelos nomes, embora, pelo acesso a documentos e pelo trato diário, sabem-nos todos.


Até eu mesmo, figura de aparente 23 anos, me sinto observado por um deles quando cruzo a frente de qualquer prédio. Obviamente, o homem que deveria fiscalizar a entrada e saída de pessoas não precisa se preocupar em me ver. Há milhares de alarmes, censores, câmeras e cercas elétricas que visam funcionar melhor do que qualquer olhar treinado humano neste ponto. O ser que abre ou fecha portões está quase sempre assistindo televisão na guarita, conversando com moradores ou dormindo, função desempenhada por estes e odiada pelos moradores quando chegam mais tarde.


O espaço físico e interior acastelado tornou-se sinônimo segurança pela tecnologia das empresas que cobram determinado valor pelo serviço que prestam. Os contratantes ficam satisfeitos, os contratados abonados. Só se for necessário, aí sim um ser humano posicionado em potente ação, agora armado, autorizado e dirigindo um veículo vai averiguar a “ocorrência”. Interessante que, nos últimos anos, estamos tão cientes das gírias policias quanto nos interessamos por cultura de massa. Consumimos em massa, embora busquemos sempre viver sem o contato imediato dela.


No espaço de dentro ainda sou fiscalizado, no trajeto até o elevador, e no elevador, sei da possibilidade de alguém acessar minha imagem enquanto espero fim dos meus passos chegarem. Exceto em cada andar, onde a quantidade de imagens se tornaria exaustiva e desnecessária, e dentro de meu apartamento, onde a lei e o interesse garantem privacidade, poderei desenvolver o mínimo de tranqüilidade e intimidade plena, o olho de uma câmera não vai me observar. Sempre me garantido pelas cortinas a barrar possíveis olhares curiosos vindo de qualquer direção pelas janelas.


Eu tiro a roupa, a camisa e o sapato logo que entro. Quero estar nu de possibilidades que no contar dos dias parecerão sempre possíveis. Um assalto, um roubo, um atropelamento. Quero estar nu do meu medo, nu das minhas obrigações, do meu censo de justiça e correção. Quero estar ausente do contato que sempre evito antevendo o provável, quero me limpar do sujo que é a rua e tornar-me limpo como a casa. Seguro, nu, limpo: por pelo menos oito horas.

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