segunda-feira, 18 de junho de 2007

Terceiros sonhos


Passo o tempo a observar meu reflexo sobr´água sem pensar em ti. Estou acordada e sóbria mais uma vez, e sem a insistência da tua feição para se mesclar a minha, já estou quase convencida que não há mais sonhos.

Quanto dói uma não existência, ou por assim dizer, quanto dói enxergar para dentro desta existência sobr´sonhada. Esperar pelo tombo surdo de mais uma árvore ou pela ausência do som nos agudos suspiros, encontrar o que no fim desta terra já não se encontra.


Olhando firme para dentro dest´água cheguei a achar que podia, quem sabe, te encontrar. Descobri, por fim, esta minha visão desenhada que faço com os olhos ao tentar me fitar. Não sou eu quem cubro o seio ao chorar, são meus medos em forma de dedos longos que envolvem meu coração.

Contornar o olhar para distante de todo desespero é uma tarefa grandiosa tanto quanto esperar que um amor se vá enfim. Sentir o frio dest´água sem tocá-la, sentir o peso da lágrima que escorre e tomar a decisão de não ampará-la antes que chegue ao lago. Quem nunca alcançou isto com o fim de um sonho?


Depois de ter sido empurrada para longe de um bando, mesmo que através de meus desejos, posso enxergar os votos perdidos que fiz sob o meu reflexo. São eles estas ondas que se encontram no destino de uma partida, são eles meus sonhos neste universo onde já não se constrói poesias com os dedos dos olhos.


Eu enxergo meu desenho sobre as ondas, espero que eu esteja acolá quando surge alguém para tentar afastar um reflexo do outro que se encontra sobr´água. Tenho meu pescoço flexível e quase não percebo o quanto pesa os outros pedaços do corpo que não se movem, após sofrer com as várias tentativas, elas partem buscando que o tempo apare as arestas.

Sob o som vazio da superfície líquida ouço cantarem alguma coisa sobre permanecer distante da margem. Vão partindo. Só então me levanto e, quando todas esperam animadas que eu abandone o posto, caminho para o raso do lago e sento-me sobre sua superfície. Apaixonada pela partida, já consigo ouvir o tempo ou o lamento que as outras fazem.


Se somos duas eu e esta imagem que continuo a fitar, a água que me toca não me parece rígida. Eu também já não pareço que carrego um peso para dentro de meu corpo. Eu me tornei esta impressão livre e vaga na vastidão do encontro de duas imagens inacabadas.

Ambas, e pela primeira vez, não se envergonham de si da mesma forma que guardo a visão vergonhosa de meu corpo. Ainda que elas sejam um nada além do qu´eu de cabelos estirados, são símbolos auto-imanentes.

Abençoada por este momento, eu deito o corpo de uma realidade sobre a outra, entrego-me para me perder o meu encalço. Ao ter alcançado a precisão deste equilíbrio com meus músculos fracos, deito sobre mim para me afogar. E é só então que o Fauno grita pela primeira vez.


Sinto que finalmente parti a realidade que havia entre eu e aquele sonho. Não apenas tudo está acabado entre mim e aquilo, mas tudo está repleto sem o debater das asas fugindo do peso que carregam. A vida está bem à frente e eu posso respirá-la neste instante.

Após expulsar em bolhas meu último suspiro fiz milagrosamente a água tomar o espaço de meus pulmões. Agora que vejo a morte se espalhando sobre o meu corpo, sei que o único momento que escapa à beleza de um beijo roubado é este que abala todas minhas membranas.

Faz de mim, e novamente, toda frágil em toda dimensão de meu corpo: estou de volta à primeira vez da partida. Como num último momento, eu sinto o peso d´água engolindo meus fragmentos, sinto um frio inexplicável que apenas o fundo pode revelar.

escrito e publicado em junho de 2007
do Coisas de Sonho

Um comentário:

Anônimo disse...

Se dizem só se sonha adormecido, eu digo que sonhei de olhos bem abertos, sonhei junto contigo.
Enxerguei mais uma vez, em imagens e sensações, todo aquele clipe.

Deu aquela coisa no peito, aquilo que eu não sei explicar, mas eu vi.
Um mundo branco cheio de grama e muito sol, uns braços abertos bem longe, mas... Tudo bem, eu soube que sonhos são sonhados dentro da gente e se é assim,
sonhos também existem - e se vivem. :)